quarta-feira, maio 31, 2006

Combinámos às 15h. Ele apareceu às 15h17. Por muito fantástico que fosse já não o podia amar... Será justo julgar alguém pela sua pontualidade (ou falta dela)?

terça-feira, maio 30, 2006

Era cinzento o carro que me levou. Só me lembro disso. Depois transformei-me noutra pessoa e passei a ser caixa de um hipermercado. Aqui ninguém sabe quem eu sou. Não preciso de teorizar acerca das causas da fome em África nem sobre nada. Que confortável é a minha nova vida! Bip!

segunda-feira, maio 29, 2006

Já nem sei por que descutíamos. O miúdo continuava a fugir cada vez que os ânimos se exaltavam. Na altura, ele tinha 15 anos e a Maria 10, andavam no Colégio e não lhes faltava nada. A empregada, gorda e feia, era o meu apoio quando tinha que sair para as consultas - talvez a terapia me devolvesse a vontade de viver. O idiota do meu ex-marido só pensava em reuniões, viagens de trabalho e na galdéria que nos ia ficando com o dinheiro todo! Tentava, a todo o custo preservar aquele casamento porque, no fundo, sabia que, sem ele, me afundaria ainda mais na minha tristeza e porque amava o idiota acima de todas as coisas. Aos 18 anos, o miúdo saiu de casa e só voltámos a saber dele quando lançou o seu primeiro livro: Tenho uma Ideia Melhor - era um retrato da nossa família, mas numa versão feliz, coisa que nunca nos aconteceu. Sobrevivi à fuga do miúdo, ao divórcio inevitável e aos problemas que a Maria nos arranjou mais tarde. Fi-lo por mim, pelo ser humano que, afinal ainda era. Dirigi todas as minhas forças para Deus, servi a Igreja do modo que me foi pedido e senti-me acalmar... Separámo-nos todos e, aparentemente, foi assim que aprendemos a amar.

quarta-feira, maio 24, 2006

Tinha havido uma violenta discussão lá em casa.
Eu, do alto do meus 15 anos, resolvi fugir. No fundo, o que queria era que me encontrassem e que ficasse tudo bem. Mas desta vez tudo tinha ido longe demais. A minha mãe demitira-se da sua tarefa e delegava numa empregada gorda e feia toda a nossa educação: minha e da minha irmã mais nova. O meu pai trabalhava, trabalhava, viajava, fugia tal como eu na esperança de, na volta, encontrar uma família diferente. Estávamos todos um bocado sós. Já ninguém se amava verdadeiramente e éramos obrigados a viver juntos na mesma casa. Não me parecia justo e foi por isso que, ao fazer 18 anos, saí de vez. Agora já não queria ser encontrado, queria que me deixassem ser só e sozinho em algum sítio onde pudesse amar qualquer coisa. Foi assim que vim parar aqui: à escrita, às histórias que me permitem ser quem eu quiser. Foi assim que sempre ganhei a vida porque me apaixonei perdidamente pelas palavras que conjugo interminavelmente como se assim pudesse reescrever toda a minha história. E consegui!

terça-feira, maio 23, 2006

Já lá estão! Já se vêem algumas penduradas nas janelas. As bandeiras que pendem ou coladas aos vidros. O vermelho do sangue derramado, o verde esperança... qual o sentido preciso desta loucura colectiva? Poderei alhear-me dela ou devo entrar alegremente numa onda nacionalista em torno de um jogo? Posso rebelar-me e pendurar um lenço branco? Uma bandeira do Togo? Um par de cuecas velhas e desbotadas? Quantas questões na minha cabeça...Importantes! Isto é importante!

sexta-feira, maio 19, 2006

Um arrepio podia querer dizer muita coisa... Frio, talvez. Estavam 30 graus pelo que a explicação não lhe pareceu plausível. Medo, talvez. Estava sozinho em casa a preparar uma salada russa para o almoço pelo que essa explicação também não lhe parecia correcta. De repente, lembrou-se que, no momento em que sentiu o arrepio, pensava nela e em como ela se tinha aproximado dele e respirado docemente junto ao seu pescoço... Foi isso, a memória dela provoca-lhe arrepios... de prazer, supunha! Não aguentou. Pegou no telefone e ligou-lhe. Precisava de lhe ouvir a voz para parar os pensamentos e os arrepios. Ela não atendeu. Devia estar numa reunião... Ligou mais tarde: voltou a não atender. Devia estar a conduzir... Voltou a insistir, mas nunca teve resposta. Aí pensou melhor e sentiu medo. Ela podia nunca mais querer vê-lo. Sentiu frio. Um frio na barriga, o estômago a dar voltas. Deitou-se no sofá enrolado numa manta à espera que o tempo passasse. Era a única coisa sensata a fazer.
Um arrepio pode querer dizer tanta coisa!

quinta-feira, maio 18, 2006

Ele escrevia. Ela corrigia-lhe os erros de acentuação. Ela vivia. Ele corrigia-lhe os erros de presunção...

quarta-feira, maio 17, 2006

Construir pontes. Não fechar os caminhos que já estão abertos. Comunicar. Falar. Exprimir. Deixar cair as defesas. Ouvir e responder. Apertar uma mão. Quem sabe até dar um abraço... Tanta coisa para aprender em tão pouco tempo!

terça-feira, maio 16, 2006

Põe um jarro branco numa jarra transparente numa mesa de cabeceira de um quarto de hotel. Depois põe uma rosa negra numa jarra branca na bancada de pedra de uma cozinha vermelha.
Apanha um malmequer e põe dentro de um copo qualquer num sítio qualquer por onde ela passe.
O importante é que seja só uma flor de cada vez. Uma só, como que a fazer sentir a tua presença.
As flores podem preencher muitas vidas, por muito que se tente negar...

segunda-feira, maio 15, 2006

Quando os dias ficam maiores, ela gosta de ler sentada num banco de jardim num qualquer lugar que lhe traga a tranquilidade necessária para viver a história intensamente. As personagens ganham vida e invadem o seu espaço mental. Passa o dia, no emprego, a desejar muito que chegue aquela hora tão sua... Como estará Nupi hoje? E o Ti? Será que se salva de arder no fogo da Inquisição?
Por muitas viagens que lhe oferecessem nunca as trocaria por estas que são só suas. Ler tornou-se o seu prazer mais íntimo depois de ter ficado sozinha. Mas isso, é história para outro livro!

quarta-feira, maio 10, 2006

Escrever é sentir duas vezes. É, talvez, a forma mais fácil de retirar do coração os pensamentos e as palavras que se colam infinitamente. As palavras fluem melhor no teclado do que na boca. Os sons reduzem-se a pequenas batidas ritmadas e nada magoa menos do que isso. Olho as palavras, sinto-as e sinto tudo o que elas significam: o bom e o mau. O verdadeiro drama é quando até para escrever nos falta a força, ou melhor, a coragem. Descobrimos qualquer coisa nova em nós que desconhecíamos até então. Mais vale dormir. Mais vale deixar o tempo fazer o seu papel. E depois, só depois, escrever.

terça-feira, maio 09, 2006

Era uma multidão. Talvez apenas umas dezenas de pessoas. Empunhavam bandeiras. Agitavam-nas ao vento. Paravam para fumar cigarros e para falar da vida. Algumas horas depois já não sabiam bem ao que vinham. Mas vieram. Mostraram-se, viram. Manifestaram-se ao ritmo dos acontecimentos. Beberam umas águas e umas cervejas e voltaram para casa.
E nós, que os observávamos pela janela, nunca lhes perguntámos por que estavam ali.

segunda-feira, maio 08, 2006